10 agosto 2011

A atmosfera da Copa e o ar da cidade



por Reinaldo Canto*

São várias décadas de obras privilegiando a ocupação dos espaços vistos apenas como boas oportunidades de negócios.

A atmosfera da Copa e o ar da cidadeA realização da Copa do Mundo e a qualidade do ar de São Paulo seriam temas distintos, caso não tivessem um encontro traçado pelo destino. E, neste momento, não me refiro à densa névoa que cobre os preparativos para a Copa do Mundo, cercados de mistério e de negociações nebulosas que deixam o ar irrespirável. Na verdade, ambos os assuntos deverão ser discutidos por nativos e turistas daqui a três anos em 2014, afinal nesta mesma época, os problemas que afetam as condições atmosféricas deverão estar ainda piores do que as registradas nos últimos dias.

A triste combinação entre frio, ar seco e poluição já é responsável por um aumento de 62% nas internações na capital paulista, conforme noticiado pelo Jornal da Tarde, no dia 18 de julho. Fatos não raros que se repetem ano após ano, inclusive com registros de mortes diretamente ligadas aos crescentes e inaceitáveis índices de poluição do ar. E, infelizmente, a população não pode contar com ações realmente sérias do poder público para ao menos reduzir as suas principais causas.

Tais problemas, é claro, não surgiram recentemente. São várias décadas de obras privilegiando a ocupação dos espaços vistos apenas como boas oportunidades de negócios. Faltaram e continuam faltando planejamento e bom senso. Resultado: mais poluição e menos qualidade de vida.

Se hoje já contamos com mais de sete milhões de veículos circulando por nossas entupidas ruas, a entrada de mais de mil novos carros emplacados diariamente na cidade só faz imaginar que durante a Copa os problemas serão multiplicados. Mesmo com automóveis menos poluentes, não é possível imaginar que teremos em 2014 um ar mais puro para respirar.

O ritmo frenético dos lançamentos imobiliários é outro fator que colabora para piorar as condições climáticas, ao eliminar áreas verdes para a subida indiscriminada de espigões. Uma troca nefasta de árvores que absorvem gás carbônico deixando em seu lugar uma cidade mais impermeabilizada e cinza. Uma equação bastante simples e óbvia que agrava os casos de enchentes e aumenta a sensação de calor no verão. Já nestes dias de inverno, entre outros problemas, contribui para dificultar a dispersão de poluentes.

Tempo existe para mudar esse estado de coisas e alterar o caminho de São Paulo rumo a um desenvolvimento mais sustentável. Mas é preciso que, restando três anos para a abertura da Copa do Mundo, nossas autoridades pensem e respirem profundamente, com cuidado para não se intoxicarem, e comecem já a agir em prol da cidade para as pessoas. Mais transporte coletivo e mais áreas verdes serão muito bem-vindas. Afinal, com Copa ou sem Copa, os milhões de habitantes de São Paulo vão permanecer por aqui, vivendo e respirando, quem sabe, ares melhores num futuro próximo.

* Reinaldo Canto é jornalista, consultor e palestrante. Foi diretor de Comunicação do Greenpeace e coordenador de Comunicação do Instituto Akatu. É colunista da revista Carta Capital e colaborador da Envolverde.
** Publicado originalmente no Jornal da Tarde.

Blog: cantodasustentabilidade.blogspot.com
Twitter: @ReinaldoCanto

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