05 agosto 2011

Privatização não é sempre solução

Heitor Scalambrini Costa*

Passados quase 20 anos desde o inicio das privatizações das distribuidoras de energia elétrica, já se pode fazer um balanço do que foi prometido; e realmente do que esta ocorrendo no país, com um primeiro semestre batendo recorde em falhas no fornecimento de energia elétrica em diversas regiões metropolitanas.


Desde então a distribuição elétrica é operada pela iniciativa privada. As distribuidoras gerenciam as áreas de concessão com deveres de manutenção, expansão e provimento de infraestrutura adequada, tendo sua receita advinda da cobrança de tarifas dos seus clientes.

A tão propalada privatização do setor elétrico nos anos 90, foi justificada como necessária para a modernização e eficientização deste setor estratégico. As promessas de que o setor privado traria a melhoria da qualidade dos serviços e a  modicidade tarifaria, foram promessas enganosas. Os exemplos estão ai para mostrar que  não necessariamente a gestão do setor privado é sempre superior ao do setor público.


Desde 2006 é verificado na maioria das empresas do setor uma tendencia declinante dos indicadores de qualidade dos serviços com sua deterioração, refletindo negativamente para o consumidor. A parcimônia da Agencia Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ante a decadência da prestação dos serviços é evidente. Criada no âmbito da reestruturação do setor elétrico para intermediar conflitos, acabou virando parte deles. A Aneel é cada vez mais questionada na justiça tanto por causa dos blecautes que ocorrem, já que não fiscalizam direito as prestadoras de serviço que acabam fazendo o que querem, como é questionada pelos reajustes tarifários.

Esta falta de fiscalização ilustra a constrangedora promiscuidade entre interesses públicos e privados dando o tom da vida republicana no Brasil. Os gestores da Aneel falam mais do que fazem.


O exemplo mais recente e emblemático no setor elétrico é a da empresa AES Eletropaulo, com 6,1 milhões de clientes, que acaba de receber uma multa recorde de R$ 31,8 milhões (não significa que pagará devido a expectativa de que recorra da punição, como acontece em quase todas as multas), por irregularidades detectadas como o de não ressarcimento a empresas e cidadãos por apagões, obstrução da fiscalização e falhas generalizadas de manutenção. A companhia de energia foi punida por problemas em 2009 e 2010, e  devido aos desligamentos ocorridos no inicio do mês de junho, quando deixou as famílias da capital paulista e região metropolitana ficarem três dias no escuro.

O que aconteceu na capital paulista, não é exclusivo. Outras distribuidoras colecionam queixas de consumidores em todo o Brasil. Vejam o caso da Light, com 4 milhões de clientes, presidida por um ex-diretor geral da Aneel, com os famosos “bueiros voadores”, cuja falta de manutenção cronica tem colocado em risco a vida dos moradores da cidade do Rio de Janeiro.

A Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), com 3,1 milhões de clientes, controlada pela Neoenergia, uma das maiores empresas do setor elétrico do país, também é outra das distribuidoras que tem feito o consumidor sofrer pela baixa qualidade da energia elétrica entregue, e pelas altas tarifas cobradas.

Infelizmente a cada apagão e a cada aumento nas contas de energia elétrica, as explicações são descabidas, e os consumidores continuam a serem enganados pelas falsas promessas de melhoria na qualidade dos serviços, de redução de tarifas e de punição as distribuidores. O que se verifica de fato, somente são palavras ao léu, sem correção dos rumos do que esta  realmente malfeito. A lei não pode mais ser para inglês ver, tem de ser real, e assim proteger os consumidores.

Mostrar firmeza e compromisso público com a honestidade e com a eficiência é o minimo que se espera dos gestores do setor elétrico brasileiro.

* Professor da Universidade Federal de Pernambuco

03 agosto 2011

Unidades de Conservação como moeda de troca

André Alves*
Para Pauta Socioambiental

Para que serve mesmo uma unidade de conservação? Esta parece ser uma pergunta recorrente a governantes e políticos em nível federal e também no estado de Mato Grosso. Essa indagação, que só não tem resposta adequada para quem não tem compromisso com a qualidade de vida, ecoa como uma possibilidade política de se fazer concessões.

Se não for essa a tônica, como aceitar que o governo federal, por meio de um simples decreto reduza três importantes unidades de conservação da Amazônia (Parque Nacional da Amazônia e as Florestas Nacionais de Itaituba 1 e 2) para encontrar menos resistência na construção de duas hidrelétricas? No exemplo mato-grossense o governo estadual, com respaldo da Assembléia Legislativa, faz a desastrosa proposta de “permutar” o Parque Estadual do Araguaia, de 220 mil hectares, localizado entre o Rio das Mortes e Araguaia para os índios Xavante de Marãiwatsédé. Uma proposta que além de ser inconstitucional tem como objetivo garantir a permanência dos invasores na terra indígena.

O descaso para com as Unidades de Conservação, tanto em relação às de Proteção Integral quanto às de Uso Sustentável poderia parecer pontual. Poderia, mas não é. Em 2003, o hoje senador Blairo Maggi, reduziu o Parque Estadual do Xingu por meio de decreto. No ano seguinte, tentou reduzir em dois terços o Parque Estadual Serra de Ricardo Franco. A alegação era a falta de recursos financeiros para fazer as desapropriações necessárias para garantir a integralidade do parque. Não reduziu, mas o parque, localizado em Vila Bela da Santíssima Trindade, assim como vários outros, encontra-se em estado de abandono, depredado e sem fiscalização.

Isso sem falar do caso Parque Estadual Cristalino, localizado entre Novo Mundo e Alta Floresta, no norte de Mato Grosso. No ano passado a Secretaria Estadual do Meio Ambiente autorizou a instalação de uma linha de transmissão de energia elétrica do programa Luz para Todos para beneficiar o irmão do governador Silval Barbosa e posseiros que vivem dentro parque. Um ano depois a Sema reconheceu o erro e se comprometeu a “recuperar” o dano.

Todo esse descaso se traduz em desmatamento. O Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) registrou que 15% do desmatamento ocorrido na Amazônia no mês de junho aconteceu dentro dos limites de unidades que deveriam estar protegidas. E mais, de acordo com o Instituto Socioambiental (ISA) 4.066 quilômetros quadrados foram desmatados entre 2001 e 2009 em áreas protegidas.

Enquanto isso, uma importante expedição concluída no início deste ano aponta a possível descoberta de duas espécies endêmicas de primatas na Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt, no Noroeste de Mato Grosso. Mas isso praticamente não apareceu na mídia, muito menos teve repercussão política. Salvaguardar as espécies endêmicas é uma dentre as dezenas de funções de uma unidade de conservação, seja ela parque, reserva, estação ecológica, floresta pública, de proteção integral ou de uso sustentável.

No livro lançado este ano “Contribuição das unidades de conservação para a economia nacional”, do Centro para Monitoramento da Conservação Mundial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP-WCMC), vários números são apresentados para corroborar a importância das áreas protegidas. Estima-se a produção de madeira em tora em áreas manejadas das Florestas Estaduais e Nacionais da Amazônia pode gerar até R$ 2,2 bilhões por ano. Já as reservas extrativistas identificadas na publicação podem gerar anualmente R$ 16,5 milhões em produção de borracha ou R$ 39,2 milhões em castanha-do-Brasil. Isso sem falar no potencial turístico de R$ 1,8 bilhão por ano em visitas aos Parques Nacionais.

Uma outra conta, considerando o estoque de carbono e a mitigação das mudanças climáticas, em que o mundo inteiro busca alternativas, as unidades de conservação têm um custo de oportunidade estimado que varia entre R$ 2,9 e 5,8 bilhões por ano por desmatamento evitado.

Analisando do ponto de vista ambiental, social e econômico, as unidades de conservação que nunca tiveram importância devidamente reconhecida estão sofrendo revezes cada vez mais graves. Do ponto de vista politiqueiro, são valiosas moedas de troca para alavancar não somente um modelo de desenvolvimento equivocado, mas também votos de cidadãos mal informados.

* André Alves é jornalista em Mato Grosso e especialista em Antropologia
Twitter: @pautaambiental